Memórias de Copa do Mundo

Gustavo Rodrigues
7 min readJun 17, 2018

Mesmo que você seja o tipo de pessoa que enxergue o futebol como “Pão e Circo”, dificilmente não exista algum tipo de memória afetiva vinculada ao esporte, principalmente em relação à Copa do Mundo, já que esta é uma das maiores paixões do brasileiro. Ela pode ser uma lembrança de momentos felizes do seu passado, o pontapé para criar curiosidade por geografia, história ou até mesmo algo que tenha sido mais determinante na sua vida, como se apaixonar pelo jornalismo esportivo. Por isso, decidi revisitar tais pontos dos mundiais para ver como tais edições ainda permanecem vivas em mim.

Estados Unidos 94: Atlas e International Superstar Soccer

Como eu nasci em maio de 1990, só alguma anomalia cerebral seria capaz de manter alguma lembrança da competição daquele ano, assim fazendo com que a de 1994, nos Estados Unidos, fosse a primeira que eu assistiria. Mesmo com apenas quatro anos de idade, consigo lembrar de alguns jogos envolvendo Romênia e Bulgária, sei lá por qual motivo. Como eu era a típica criança chata que decora algo que gosta e fica repetindo para todo mundo, muita gente deve ter me ouvido falar sobre capitais, moeda e outras características dos países, já que adorava folhear o Atlas que havia em casa. Na época, acreditava que a capital búlgara, Sófia, se pronunciava da mesma forma que o nome feminino.

Pouco tempo depois, International Superstar Soccer era lançado e tive a possibilidade de jogá-lo por muito tempo, algo que só aumentou minha paixão futebolística e me fez viciado em vídeo game. Paco, Pardilla, Beranco, Allejo e Fontana são nomes que soam até hoje comuns para aqueles que gastaram horas e horas com o game da Konami.

International Superstar Soccer é uma paixão de infância

França 98: Sendo do contra, Viagem ao interior e Alfajor da Turma da Mônica

Enquanto as lembranças de 94 são muito raras, a Copa do Mundo francesa já é muito mais fácil de recordar. A estreia do Brasil contra a Escócia, por exemplo, é algo que eu permanece bastante vivo. A família inteira na sala vendo o jogo, o primeiro gol da seleção brasileira sendo marcado por César Sampaio e a participação do Cafu na jogada que daria a vitória ao time, com ajuda do jogador escocês. Os confrontos versus Noruega, Chile, Dinamarca e Holanda lembro local e com quem os assisti, entretanto uma viagem para Presidente Prudente fez com que parte desse mundial fosse menos acompanhada por mim.

Apesar da ida para o interior, a competição já caminhava para o final. Assistimos as disputas de pênalti entre Brasil e Holanda um dia antes de pegar a estrada, mas seria o último jogo que veria por completo dessa edição do mundial. Nossa volta para São Paulo faria com que a gente chegasse em casa durante a final. Quando ligamos a televisão, o 3x0 estava prestes a acontecer, algo que não importava muito nem mesmo pra mim, já que meu pai estava torcendo pela vitória francesa.

Há uma grande quantia de lembranças doces do torneio de 98, sejam os momentos assistindo os jogos das seleções ou simplesmente os alfajores da Turma da Mônica, que serviram como colecionável para mim, antes de conhecer os álbuns de figurinhas.

Comi muito alfajor por causa dessas figurinhas

Coreia do Sul/Japão 2002: Vestindo a camisa

Apesar de não ter torcido pelo Brasil na Copa da França, em 2002 eu vesti a camisa e abracei a torcida canarinho. Provavelmente, algo que fez influência foram os craques que faziam parte daquela equipe estrelada e a minha própria idade, já que aos 12 anos você tende a ser mais parecido com os amigos de infância, o que tornou-se mais latente ao iniciar o ano letivo numa escola nova — local onde eu mais devo ter trocado figurinhas daquela edição.

Mesmo que hoje a pintura de rua tenha diminuído em comparação as outras edições do mundial, aquele ano sujei minhas mãos ajudando a dar cor ao asfalto da rua da minha vó — que atualmente também recebeu tintas para o torneio da Rússia. Outro diferencial daquele campeonato eram os horários de transmissão dos jogos. Como as partidas eram na Coréia do Sul ou Japão, o Brasil ainda estava pela madrugada ou muito cedo, algo que me fez tentar manter-me acordado para ver os confrontos versus Costa Rica e Inglaterra, mas falhar miseravelmente e cair no sono antes mesmo do apito inicial.

Até agora, esta é uma das minhas Copas favoritas, seja pelas peculiaridades dos horários, dois países sedes ou por ser a única vez que a inocência da idade me levou a torcer pelo Brasil.

Cafu num momento de consagração em 2002

Alemanha 2006: Grosso salvador e a fúria de Zidane

A Copa do “quadrado mágico” era uma das mais esperançosas por causa do elenco estrelado, mas foi uma das que eu mais torci contra a seleção brasileira — eu odiava todo mundo escolhendo só o Brasil no Winning Eleven. Algo que acabou me deixando bastante feliz quando apreciou o passeio que Zidane deu naquela partida, ainda mais quando Thiery Henry conseguiu marcar o gol que eliminaria o time tupiniquim. Porém, a memória mais marcante é da incrível semifinal Itália versus Alemanha.

Assistindo à partida com amigos na casa de um deles, havia uma torcida pela Azzurra por nossa parte por simpatizar com alguns jogadores daquela equipe, como Pirlo e Buffon. Enquanto estávamos engajados e animados com as possibilidades que surgiam no jogo, o pai de um dos meus colegas adotou o discurso de que não tinha motivos para torcermos para a Itália, já que o mundial era na Alemanha e tudo já devia estar encaminhado para fazê-la vencer tal confronto. Poucos minutos depois de tais palavras, Grosso, o lateral italiano de qualidade questionável, coloca fogo nos minutos finais da prorrogação — que ainda teria mais um de Del Piero.

Infelizmente, a final foi muito marcada pela decisão impulsiva do Zidane, ao cabecear o Materazzi, e assim fazer com que um dos grandes nomes da Copa sucumbisse em segundos, assim prejudicando sua equipe, que acabaria perdendo a disputa nas penalidades.

Quem diria que Grosso seria um herói de Copa do Mundo?

África do Sul 2010: Waka Waka e Tiki Taka

A primeira copa no continente africano teve facilmente elementos sonoros bastante predominantes. No Brasil, nada ganhou mais força do que as cornetas, chamadas de vuvuzelas no país sede, e assim ganhando mais popularidade por aqui. Além disso, duas canções se tornaram internacionalmente conhecidas: Wavin’ Flag, interpretada pelo K’naan para as propagandas da Coca-Cola, e Waka Waka, da sempre presente em eventos esportivos Shakira. Ambas as músicas ainda me agradam, algo que percebi ao ouvi-las em karaokê.

Pode soar cacofônico, mas o Tiki Taka também predominou em 2010. A Espanha, mesmo que não se mostrando avassaladora, dominou o mundial e conseguiu se sobrepor a seleção holandesa. Era a minha equipe favorita daquele ano, algo que não acontece hoje, pela forma que a equipe do Del Bosque jogava fácil.

Em relação à seleção brasileira, eu detestava aquela equipe tanto pelo comando do Dunga quanto pela importância de alguns jogadores na equipe, como Robinho e Felipe Melo, o que tornou ainda mais delicioso os gols de Wesley Sneijder, quem deveria ter sido nomeado melhor do mundo naquela época.

Brasil 2014: 7x1

Ah, a Copa no Brasil! Essa deve ser a edição do torneio que mais vai ficar marcada para muitas pessoas das gerações mais recentes. Como houve uma grande mobilização social para aproveitar as festividades que acompanhavam os jogos, muita gente deve ter centenas de histórias pra contar. Aos que gostam da parte mais focada no futebol, dificilmente alguma partida vai ser tão emblemática quanto a derrota da seleção contra a Alemanha na semifinal.

Eu já torcia pela eliminação da equipe brasileira por causa do péssimo esquema tático que o Felipão utilizava — algo que fazia eu e alguns amigos sempre comentarmos o quão frágil era aquele time, o que ganhou mais intensidade no confronto contra o Chile nas oitavas. Entretanto, nem o mais cético àquela equipe esperava um vareio daquele, tornando a situação ainda mais bizarra. A disputa pelo terceiro lugar pouca gente deu bola, o que fez a segunda humilhação brasileira naquele mundial ser bem menos expressiva.

“Virou passeio!”

Rússia 2018

Mesmo que eu tenha torcido claramente contra o Brasil em 2014, esse sentimento não existe esse ano, mesmo que haja um ranço sempre presente em relação ao Neymar. Em compensação, é difícil não gostar de Tite, Gabriel Jesus, Firmino, Marcelo, etc. Isso fica ainda mais latente quando não consigo chutar quem vai se sair campeão desse torneio, já que acho o Brasil o grande favorito, mas estranhamente creio que a França tenha grandes chances e simpatize bastante para que seleções menores consigam fazer um bom campeonato.

Mesmo que você não seja fã de futebol, a Copa do Mundo é um evento único que transforma os arredores do país sede, traz conhecimentos geográficos e históricos sobre países normalmente estereotipados ao grande público — algo que já acontece hoje com Islândia e Rússia, ainda mais com tantos criadores de conteúdo produzindo vídeos sobre o país soviético — e também permite momentos de festa entre amigos e familiares ao ligarem a televisão para acompanhar as partidas.

Queira você ou não, sua memória afetiva vai ser preenchida por situações desse evento esportivo gigantesco e talvez se permitir a tais possibilidades seja o melhor que você possa fazer, seja torcendo pela equipe tupiniquim ou contra.

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Gustavo Rodrigues

Jornalista que se perde em devaneios sobre a vida e cultura pop