Crítica — Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Gustavo Rodrigues
3 min readMay 6, 2022

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um dos casos raros do Universo Cinematográfico da Marvel que as características do diretor são marcantes o suficiente para tornar a obra memorável. James Gunn, Chloé Zhao e Taika Waititi foram os que mais tiveram liberdade para isso. Dessa vez, Sam Raimi mostra toda sua experiência prévia com a primeira trilogia do Homem-Aranha e, principalmente, suas obras de terror para mesclar elementos sombrios incomuns a este tipo de obra formulaica.

Na trama, Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) tem tido repetidamente pesadelos envolvendo a jovem America Chavez (Xochitl Gomez). Além disso, o ex-Mago Supremo precisa lidar com as consequências de não conseguir manter o controle das situações que acaba se envolvendo enquanto o Multiverso começa a entrar em colapso, assim o levando a pedir ajuda da feiticeira Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen).

O roteiro formulaico e apressado de Multiverso da Loucura poderia fazer a obra cair na mesmice facilmente, mas a Marvel Studios acertou ao contratar Sam Raimi para a direção — substituindo Scott Derrickson, que se tornou produtor do filme. Os momentos que o longa encanta são claramente criados pelas escolhas que o cineasta impõe dentro da narrativa. Jump scare, zoom, enquadramento incomum e montagem conseguem trafegar entre cenas assustadoras e galhofas com naturalidade.

A Marvel Studios costuma abusar do fan service em seus filmes e isso volta a ficar evidente em Multiverso da Loucura. O retorno de Patrick Stewart para o papel de Charles Xavier já era alardeada pelos trailers e usado como chamariz do que o filme poderia apresentar de novo nas telonas. De fato, há novidade tanto na presença dele quanto de outras participações especiais, coerentes dentro da trama, mas soam muito mais como afago a quem é fã de carteirinha dessas adaptações do que um ponto determinante no desenvolvimento dessa história. Contudo, o MCU se desdobra aos poucos dentro de cada longa ou série do Disney+, logo alguns fundamentos menos relevantes agora ganham peso no futuro.

Apesar do ritmo apressado desde o começo, a narrativa ainda consegue ter bons momentos de destaque para quatro personagens. A novata America Chavez funciona mais como um recurso narrativo do que alguém para o telespectador se importar e isso dificulta a conexão imediata com a heroína, mas não impede que o carisma entregue pela Xochitl Gomez fique de lado. Rachel McAdams torna-se bem mais importante do que no longa de introdução do Doutor Estranho, seja pelo tempo de tela ou introduzir a indagação que escancara a motivação dos personagens principais. Benedict Cumberbatch e Elizabeth Olsen são os focos primários dos holofotes pelas formas que precisam demonstrar os sentimentos dos personagens e quão diferentes eles se comportam conforme a trama torna-se cada vez mais caótica.

Pôster criado por Matt Ferguson para Multiverso da Loucura

Assim como outras produções recentes da Marvel Studios, os efeitos visuais oscilam entre ótimos a chroma key aparente. Mesmo que o primeiro ato permita espaço para Sam Raimi dar vida à Nova Iorque como só ele faz, assim relembrando sua passagem na trilogia do Homem-Aranha protagonizada por Tobey Maguire, as cenas perdem encanto pela nitidez do fundo verde. Em compensação, a qualidade escala nos principais momentos, assim evitando esses aspectos incômodos quando o filme se torna mais engenhoso durante a ação.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é mais um fragmento do quebra-cabeça controlado pelo Kevin Feige, que já prepara terreno para o provável grande evento da Marvel Studios nos próximos anos, entretanto o filme se torna memorável pelas escolhas ousadas dentro de sua proposta e por permitir que Sam Raimi incorpore elementos de terror e faça referência a si mesmo. Dentro do MCU, ele é um caso raro de brinquedo do parque de diversões que traz sensações diferentes conforme passeia pelas curvas e até gera medo durante o trajeto, mesmo que o desfecho seja a previsível chegada segura ao final do circuito.

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Gustavo Rodrigues

Jornalista que se perde em devaneios sobre a vida e cultura pop