Arcane |Crítica

Gustavo Rodrigues
3 min readNov 22, 2021

Arcane é uma das grandes surpresas da cultura pop em 2021. A Riot Games trabalhou por muitos anos na série televisiva que adaptaria apenas uma pequena parcela de seu rico universo, mas conseguiu muito mais do que isso ao criar a melhor obra derivada dos jogos eletrônicos — que são produtos cobiçados por Hollywood, mas ainda não chegam perto da qualidade do produto original. Parte desse sucesso está na ótima narrativa em três atos que a empresa encontrou na parceria com a Netflix.

Na trama, Powder e Vi são crianças cuidadas por Vander, um respeitado dono de bar da Subferia — região baixa e pobre da rica Piltover. Em uma jornada das jovens pela cidade alta, as personagens se envolvem num problema que abrange poder incalculável desejado por pessoas influentes e que mudará a vida delas para sempre. Enquanto isso, o acadêmico Jayce pretende trazer o progresso para a humanidade através da combinação de ciência e magia.

Um dos grandes méritos de Arcane está na narrativa escrita por Christian Linke e Alex Yee. O roteiro separado por atos consegue introduzir, dar profundidade e encontrar seu desfecho, mesmo que inconclusivo, para uma obra que precisa agradar a enorme base de fãs do universo criado pela Riot Games e, principalmente, se mostrar apaixonante para quem nunca se interessou por League of Legends e seus derivados. Os easter eggs estão presentes como referências aos fãs assíduos, mas não tornam os novatos em reféns de uma informação primordial para ter compreensão dos acontecimentos em tela.

Os criadores da série entendem o potencial narrativo que a história possui ao não limitá-la a uma abordagem infantil ou maniqueísta. Os personagens possuem dualidade compreensível pela forma que suas motivações ficam evidentes ao público, assim criando empatia para que os telespectadores se apaixonem e defendam quem eles têm identificação, mesmo que atos questionáveis sejam cometidos pelo indivíduo durante a trama.

Arcane transita por assuntos de desigualdade social, ética na ciência, disputa de poder, sexo, abuso policial, etc. Há muitos elementos que os roteiristas poderiam deixar de lado ao contar a história envolvendo os personagens de League of Legends, mas ao abordar esses temas o universo de Runeterra chega à Netflix com mais veracidade e poder para conquistar um público vasto. Porém, há um caso de ‘Women in Refrigerator’ capaz de gerar desconforto pelo recurso narrativo preguiçoso adotado pelo texto quando havia vários caminhos diferentes para o mesmo objetivo.

Visualmente, Riot Games e o estúdio Fortiche conseguiram dar fluidez e peso para as cenas ao misturar animação tradicional com computação gráfica, algo executado com maestria anteriormente em Homem-Aranha no Aranhaverso. Os combates envolvendo a Vi são muito bem dirigidos para que a movimentação da personagem cause impacto até mesmo em câmera lenta, seja no confronto básico dela quando criança ou ao reencontrar uma antiga rival. A qualidade visual exuberante também ganha ênfase na linguagem necessária para cada contexto, seja na fofura do Heimerdinger, na primeira corrida no porto ou com o reencontro de velhos amigos.

Além do visual estonteante, os aspectos sonoros acompanham a qualidade desde os efeitos básicos criados durante as cenas ou pelas boas inserções musicais que a trilha apresenta. Mesmo que a aparição dos componentes de Imagine Dragons crie desconexão com a história, a música Enemy é um dos grandes trunfos de Arcane — mesmo que Our Love seja minha favorita.

Com ótima dublagem brasileira, animação e narrativa, Arcane tem potencial de mudar como os estúdios de cinema e televisão tentam adaptar os jogos eletrônicos e até mesmo a forma que a Netflix distribui suas grandes produções durante as semanas. Entretanto, o desfecho inconclusivo da história deixa um sabor agridoce de que a Riot Games preferiu pensar na segunda temporada, sem previsão de estreia, do que finalizar o primeiro arco da maioria dos personagens. Mesmo que a lore dos jogos possa gerar teorias do que pode acontecer no futuro da série, existe essa sensação de lacuna que deveria ser preenchida. Cabe à empresa detentora desse rico universo entender como continuar as histórias iniciadas em Piltover e expandir para as outras regiões de Runeterra, sem perder a qualidade pelo caminho.

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Gustavo Rodrigues

Jornalista que se perde em devaneios sobre a vida e cultura pop